O que fui e já não sou; o que sou e jamais hei de ser novamente.

Esta poesia estava guardada, esperava o momento de se apresentar. Dedico ela ao meu médico e e ao meu terapeuta que me mostram pacientemente a beleza que muitas vezes não vejo; a calma que me escapa; a lembrança da impermanência e minha constante transformação. A possibilidade de definir se sou ou não sou; o que sou; o que fui e o que serei. Enfim, uma forma de gratidão.


Quando nasci conheci o paradoxo,

e na dualidade encontrei o vazio.

Era claro e frio, e estremeci,

e então disseram-me que nasci.

 

No limbo, entre múltiplos “sentir”,

eu vivi. E encontrei a unidade no puro devir.

(Pausa)

E entreguei-me aos braços dela,

minha guardiã que, acalmando-me, exclamou:

“Aquieta-te, meu amor, a alegria há de vir!”

 

Ouvi os pássaros e desejei voar.

Tomei banho, e sonhei que estava a nadar.

Engatinhei, andei, corri.

Estava então o mundo a desbravar.

 

Chorei quando disseram-me não.

Emocionei-me ao, no luar, reconhecer a imensidão.

Amedrontei-me no escuro.

Os braços da minha mãe procurei.

Quando a luz não encontrei.

 

Senti o cheiro das flores,

e experimentei diversos sabores.

Elevei-me ao som de bossa-nova,

e dancei insegura os passos da mocidade.

 

Arrisquei-me, e descobri o fluido escarlate

que o espinho arroubou-me e, ao violar-me, meu ser sangrou, “niilista”.

Perfurei-me ao ultrapassar os meus limites.

Perdi-me em revolta e amargurei meu coração.

 

O amanhecer já não era clave,

e sem norte compus em dó menor.

Réquiem anima mea

E minh’Alma embriaguei.

 

Em névoa bailei

amedrontada, angustiada, na escuridão.

A abraço algum me entreguei.

Tornei-me furacão.

 

Tornei-me cega, e não pude ver

o que para além do meu quarto estava a acontecer.

Descobri riscas nas paredes.

As reproduzi em meu corpo.

 

E quando já não aguentava mais sofrer,

quando não suportava mais a vida perder,

urrei em clamor:

Por que Senhor, tamanha dor?

 

No verão derreteu-se a espontaneidade,

esvaiu-se em enfermidade.

A claridade cegava-me, e sem menor pudor,

arrancou-me o olhar que brilhava ao ver tamanho esplendor.

 

O outono aproximou-se com fervor,

e as águas de março fizeram de mim pau e pedra.

Anunciou o fim do caminho.

Lançou-me ribanceira abaixo, abandonou-me em destroços.

 

O inverno paralisou-me, estagnou-me

sem folha, sem cor, sem flor.

Restou-me o hiato, o silêncio, a secura e ardência na garganta.

Definhei, e em pele e osso, com a morte me deparei.

 

Sem força, e desamparada,

apostei meu último suspiro.

E na tenra madrugada prostrei-me,

e sussurrei errante.

 

Implorei pela gota de esperança,

a fim de que inundasse a secura dos meus sentimentos.

Roguei pelos ventos de boas lembranças,

para que dissipassem a neblina e convidassem-me ao voo.

 

Aventurei-me mata adentro, e cobri-me de terra úmida.

Absorvi nutriente, e alimentei meu corpo de força.

Avistei Seneh (sarça), e floresci majestosamente.

Anunciei a chama que habitava meu peito em paixão.

 

Com sabedoria divina, a Primavera surgia.

A natureza floresceu encantadoramente.

Suspirei a vida que me enlaçava,

expirei extasiada.

 

Quando nasci, já conhecia o paradoxo,

e na dualidade encontrei o divino.

Era cintilante e ameno, e tranquilizei,

e os anjos anunciaram: eu renasci.

 

Pude, então, ver no pecado da fome

a graça presente na arte de compartilhar.

Reconheci ao luar a preciosidade em amar.

Inspirei-me nas crianças, e desabrochei a espontaneidade.

Sonhei novamente voar.

 

Porque me foi permitido, pude saborear

a doçura de uma oração.

Surgiu, do meu âmago, uma verdadeira intenção

que não me abandonasse o bom ânimo em meio as aflições.

 

Que ânimo resplandecesse,

sendo eu alma e corpo,

sendo eu razão e emoção, certeza e dúvida, afeto e sentidos.

Pudesse, com todas as minhas imperfeições,

exalar aroma agradável, e ser instrumento de paz em meio a confusão.

 

Porque chorei e sofri,

frustrei-me, decepcionei-me, entristeci.

Não sei ser nada, senão verdade e transparência à flor da pele.

Tomada por compaixão, caminho em direção ao puro devir.

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