Quando nasci conheci o paradoxo,
e na dualidade encontrei o vazio.
Era claro e frio, e estremeci,
e então disseram-me que nasci.
No limbo, entre múltiplos “sentir”,
eu vivi. E encontrei a unidade no puro devir.
(Pausa)
E entreguei-me aos braços dela,
minha guardiã que, acalmando-me, exclamou:
“Aquieta-te, meu amor, a alegria há de vir!”
Ouvi os pássaros e desejei voar.
Tomei banho, e sonhei que estava a nadar.
Engatinhei, andei, corri.
Estava então o mundo a desbravar.
Chorei quando disseram-me não.
Emocionei-me ao, no luar, reconhecer a imensidão.
Amedrontei-me no escuro.
Os braços da minha mãe procurei.
Quando a luz não encontrei.
Senti o cheiro das flores,
e experimentei diversos sabores.
Elevei-me ao som de bossa-nova,
e dancei insegura os passos da mocidade.
Arrisquei-me, e descobri o fluido escarlate
que o espinho arroubou-me e, ao violar-me, meu ser sangrou, “niilista”.
Perfurei-me ao ultrapassar os meus limites.
Perdi-me em revolta e amargurei meu coração.
O amanhecer já não era clave,
e sem norte compus em dó menor.
Réquiem anima mea
E minh’Alma embriaguei.
Em névoa bailei
amedrontada, angustiada, na escuridão.
A abraço algum me entreguei.
Tornei-me furacão.
Tornei-me cega, e não pude ver
o que para além do meu quarto estava a acontecer.
Descobri riscas nas paredes.
As reproduzi em meu corpo.
E quando já não aguentava mais sofrer,
quando não suportava mais a vida perder,
urrei em clamor:
Por que Senhor, tamanha dor?
No verão derreteu-se a espontaneidade,
esvaiu-se em enfermidade.
A claridade cegava-me, e sem menor pudor,
arrancou-me o olhar que brilhava ao ver tamanho esplendor.
O outono aproximou-se com fervor,
e as águas de março fizeram de mim pau e pedra.
Anunciou o fim do caminho.
Lançou-me ribanceira abaixo, abandonou-me em destroços.
O inverno paralisou-me, estagnou-me
sem folha, sem cor, sem flor.
Restou-me o hiato, o silêncio, a secura e ardência na garganta.
Definhei, e em pele e osso, com a morte me deparei.
Sem força, e desamparada,
apostei meu último suspiro.
E na tenra madrugada prostrei-me,
e sussurrei errante.
Implorei pela gota de esperança,
a fim de que inundasse a secura dos meus sentimentos.
Roguei pelos ventos de boas lembranças,
para que dissipassem a neblina e convidassem-me ao voo.
Aventurei-me mata adentro, e cobri-me de terra úmida.
Absorvi nutriente, e alimentei meu corpo de força.
Avistei Seneh (sarça), e floresci majestosamente.
Anunciei a chama que habitava meu peito em paixão.
Com sabedoria divina, a Primavera surgia.
A natureza floresceu encantadoramente.
Suspirei a vida que me enlaçava,
expirei extasiada.
Quando nasci, já conhecia o paradoxo,
e na dualidade encontrei o divino.
Era cintilante e ameno, e tranquilizei,
e os anjos anunciaram: eu renasci.
Pude, então, ver no pecado da fome
a graça presente na arte de compartilhar.
Reconheci ao luar a preciosidade em amar.
Inspirei-me nas crianças, e desabrochei a espontaneidade.
Sonhei novamente voar.
Porque me foi permitido, pude saborear
a doçura de uma oração.
Surgiu, do meu âmago, uma verdadeira intenção
que não me abandonasse o bom ânimo em meio as aflições.
Que ânimo resplandecesse,
sendo eu alma e corpo,
sendo eu razão e emoção, certeza e dúvida, afeto e sentidos.
Pudesse, com todas as minhas imperfeições,
exalar aroma agradável, e ser instrumento de paz em meio a confusão.
Porque chorei e sofri,
frustrei-me, decepcionei-me, entristeci.
Não sei ser nada, senão verdade e transparência à flor da pele.
Tomada por compaixão, caminho em direção ao puro devir.